A Nascente é uma das grandes obras de Ayn Rand, perdendo em popularidade para A Revolta de Atlas, mas com um conteúdo e objetivo bastante semelhante. Nele, somos apresentados ao herói perfeito de Rand, Howard Roark, um homem que vive para si mesmo e não para os outros. Roark é a idealização de ser humano ideal para a autora, que demonstra nele e em suas ações o modelo humano criador, egoísta, extremamente esforçado, idealista e perfeccionista. Roark não admite que outras pessoas interfiram em seu trabalho como arquiteto, pois a sua obra é a propriedade mais valiosa de sua mente criativa e ele não admite modificações de leigos em seus projetos. O idealismo de Roark é brutal e faz com que o personagem passe por maus bocados em toda a jornada do livro, que o acompanha em um intervalo bem longo de anos, onde ele enfrenta os parasitas da pior espécie, homens que vivem para usurpar o trabalho coletivo, para favorecer incompetentes e para manipular a opinião pública.
Howard Roark enfrenta o tradicionalismo e conservadorismo que mantém atuais formas e conceitos completamente ultrapassados apenas para manter a antiga cultura e respeitar a opinião pública formada de pessoas que não entendem absolutamente nada do assunto. Enfrenta os parasitas, as pessoas sem talento e com imaginação limitada que se restringem a repetir o que os seus antecessores fazem e nada mais do que isso. E os formadores de opinião, os "intelectuais" que destroem o trabalho alheio através de estratégias de manipulação de pensamento das massas, defendendo causas sociais, coletivismos e demonizando o pensamento independente e o ego humano.
A obra brilha em demonstrar Peter Keating como o arquiteto que representa a antítese do trabalhador de Roark: um homem mais focado em ser reconhecido pela sociedade do que realmente em ser um bom profissional. Keating é medíocre em seu trabalho mas sabe bem formar conexões, agradar as pessoas certas e se destacar para se tornar rico e famoso em seu meio. Enquanto pede ajuda para Roark de forma escondida para conseguir fazer seu trabalho, se apropria do talento alheio e forma as conexões corretas para crescer cada vez mais em sua empresa, enquanto Roark é constantemente destruído pela sociedade por tentar fazer a coisa que considera ética, moral e correta: trabalhar honestamente.
Ellsworth Toohey é uma das melhores caracterizações dos sociólogos e colunistas de jornais que vemos hoje em dia: o homem público formador de opinião, embasando o coletivismo como a melhor virtude do ser humano e pregando o altruísmo como regra de vida para todos. Considero o melhor trecho do livro o diálogo final entre ele e Peter Keating, onde ele mostra realmente quais são suas intenções de poder e manipulação da massa travestidas de boas idéias e humanismo. Impossível não traçar inúmeros paralelos entre ele e a quantidade colossal de oportunistas e psicopatas travestidos de jornalistas que temos em nossa mídia brasileira. O relativismo moral, a desvalorização do humano como indivíduo e a destruição do propósito da vida em prol do "bem maior", muito bem representados nesse personagem.
A filosofia objetivista de Ayn Rand é bastante evidente, porém a trama não é tão interessante como A Revolta de Atlas e em algumas partes a história fica sem um rumo evidente. Aqui reside uma das falhas do livro: os personagens principais, Roark e Dominique Francon, são muito surreais, extremamente caracterizados seguindo a filosofia de Rand porém muito distantes do ser humano comum, com suas falhas, dúvidas e imperfeições. Enquanto Roark é o "homem perfeito", Dominique, seu par romântico, é a pessoa que não aceita o mundo como ele é mas debocha dele como uma espectadora de fora do seu próprio corpo, agindo de forma destrutiva e rindo das ironias e hipocrisias da sociedade ao seu redor. A dinâmica do relacionamento deles é bastante esquisita e entediante, um dos pontos que menos gostei do livro. A busca por representar os ideais perfeitos acabam por transformá-los em personagens unidimensionais e robóticos, causando uma certa dificuldade de empatia.
Roark sofre muito e também encontra em seus momentos de confronto com a sociedade a oportunidade de realizar seus discursos em prol do individualismo, egoísmo e criação humana, demonstrando a filosofia da autora de forma clara e muito bem embasada com o histórico do personagem. Entre A Nascente e A Revolta de Atlas eu fico com o último, mas essa também é uma excelente obra de Rand que faz pensar sobre o indivíduo criador e a sociedade em que vive, e o papel do ego humano como o motor do progresso humano.
Dica: no dia da publicação desse post o livro estava por ridículos R$ 15,12 no Submarino. Vale muito a pena.