quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Bel Pesce e a geração que não gosta de trabalhar

Esses últimos dias tenho acompanhado atentamente toda a polêmica envolvendo a famosa "Menina do Vale" e a destruição de sua reputação depois do fiasco ocorrido na tentativa de criar uma campanha de crowdfunding para a hamburgueria do vencedor do MasterChef. Você pode entender mais do assunto nos links abaixo:


Como o perfil da Bel Pesce já foi extremamente dissecado por inúmeros artigos de excelente conteúdo, não vou me estender no assunto sobre a pessoa dela, mas sim sobre o perfil que ela representa hoje.



Bel Pesce é uma excelente representante da mentalidade da nova geração que busca ser "independente" e "fundadora" de qualquer coisa, nem que seja de um bar de esquina. Para a nova geração, ter um patrão ou trabalhar para alguém é uma espécie de humilhação. Dos millenials em diante, os mais jovens possuem uma visão extremamente otimista sobre si mesmos e sobre o potencial de suas vidas, e por isso eles procuram pular algumas etapas importantes na construção de sua carreira e do desenvolvimento de suas habilidades profissionais.

Infelizmente eu mesmo faço parte dessa geração pois nasci no final da década de 80. Não sou especial nem nada para dizer que sou uma exceção desse perfil pois carrego sim algumas características negativas da geração Y. Porém sou medroso para empreender visto o ambiente hostil para os negócios no Brasil e a preguiça de trabalhar exaustivamente em empregos tradicionais e distantes me levou a aportar desde cedo para garantir a minha IF ao invés de torrar salário em carrões e festas.

O grande problema dessa pressão criada pela geração Bel Pesce é um sentimento de frustração claramente visível entre os profissionais mais jovens que eu convivo, pois esse tipo de gente vende a idéia de que empreender, ser "fundador" de empresas e ter idéias geniais de negócios é algo extremamente simples e corriqueiro, levando a entender que se você hoje é um reles empregado de alguém então você é um bostinha que não está no caminho certo na vida. Isso leva as seguintes consequências que observo no dia-a-dia como profissional de TI:

  • Os jovens saem da faculdade sem a menor noção de quanto valem para o mercado; querem ganhar salários altíssimos já na fase de estágio
  • Os jovens não aceitam fazer "trabalho de corno" (aquelas tarefas mais monótonas que passamos para os estágiarios e juniores)
  • Os jovens acreditam que possuem idéias geniais e contestam todos os processos da empresa
  • Os jovens não conseguem focar suas carreiras como trabalhadores e pulam de emprego em emprego
  • Os jovens não possuem nenhuma noção do valor do dinheiro. Eles acreditam cegamente que o diploma irá fornecer emprego garantido e que irão repetir os passos de seus pais, comprando uma casa em breve e etc. Não percebem que os salários de hoje rendem muito menos do que antigamente
Casos interessantes que vivencio por conta disso:
  • Amigo meu com uma formação muito parecida com a minha mas que jamais se interessou por investir e formar patrimônio como eu, pulava de galho em galho em empregos e nunca conseguiu focar em uma única tecnologia para se tornar especialista nela. Hoje ganha quase metade do que eu ganho por conta disso e não é feliz onde trabalha, porém agora é tarde para correr atrás pois irá casar com a namorada (uma mulher mais velha que não possui emprego fixo e que o está pressionando fortemente para casar) e agora está percebendo a cagada que fez por não ter estruturado sua carreira e formado patrimônio corretamente. Provavelmente vai se enfiar em um financiamento imobiliário infinito e vai passar toda a sua idade adulta até a velhice atolado de dívidas. Se iludiu achando que conseguiria sucesso trabalhando com desenvolvimento de games (área extremamente "pop" de TI que cria uma geração de pessoas que vão passar fome no futuro) e agora está condenado a ficar em empregos chatos pra sempre.
  • Colegas de faculdade muito inteligentes e promissores na área de tecnologia que tentaram inúmeras vezes criar sistemas e ferramentas sem o know-how necessário para as demais áreas de uma empresa e que perderam suas economias acreditando cegamente que suas idéias dariam certo mas sem atentar aos óbvios pontos fracos que levaram tudo ao fracasso.
  • Estagiários que foram influenciados por seus pais com a idéia de que a faculdade é peça-chave para o sucesso e que diplomas garantiriam seu futuro, chegam com um alto nível de escolaridade mas não conseguem desempenhar funções básicas na empresa. Claro desencontro de expectativas. Isso leva a um sentimento de frustração e fracasso por estarem ganhando uma mixaria e tomarem constantes puxões de orelha sobre seu desempenho. Acreditam que a qualquer momento terão uma idéia revolucionária e ficarão ricos rapidamente, sem precisar mais se submeter a humilhação de trabalhar para outra pessoa.
Obviamente que a idéia de ser um empreendedor fodão e dar palestras e escrever livros e ir em programas de TV é muito sedutora mas pra mim sempre foi muito mais interessante simplesmente aportar, investir e procurar formas de multiplicar o dinheiro sem esforço. As pessoas estão tão focadas em serem estrelas de sucesso mas esquecem de olhar para o mundo real, de tentarem abrir um mercadinho de esquina antes, de contratarem um empregado como CLT, de abrirem um CNPJ pra sentir como é o dia-a-dia na pele.

Vivemos hoje um período de ilusões pois na época dos nossos pais a vida era bem mais simples, você não precisava ter escolaridade alta, bastava arrumar um emprego como torneiro mecânico na Volkswagem e fazer sua carreira ali. Esse tipo de emprego não existe mais e a vida se tornou mais difícil para os mais jovens até mesmo com diploma e pós-graduação. E vendedores de ilusões como Bel Pesce fazem um desserviço enorme de iludir as pessoas com seus currículos falsos, palestras vazias e experiências infladas.

(Em tempo: porque a mídia levou tanto tempo pra questionar o currículo da garota?)



Abraços!

5 comentários:

  1. Muito bom Nerd Investidor! Também sou do ramo de TI e vejo algumas coisas comentadas por você acontecendo comigo: colegas que pulam de emprego e emprego, colegas que não aceitam o trabalho que tem e querem ganhar muito mais, etc. Uma boa solução foi a de alguns colegas: meterem o pé do Bostil. Estão gostando. Para alguns isso é uma opção, já para outros não. Quanto a Bel Pesce, existem inúmeros como ela! Vendendo essa ideia de startup, empreendorismo, escrevendo livros com termos bonitos e o que fazer para ter sucesso. O engraçado é que vendem sucesso sem ter tido sucesso nenhum.

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  2. Eu acho excelente que ocorra essa discussão, pois talvez assim toda essa galerinha desavisada comece a questionar esses milagres antes de ficar enchendo o bolso desses marqueteiros-hot-espertalhões ;-) tem vários, não é só a Bel não.

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  3. A mais pura verdade Nerd! Também sou do ramo de TI e as vezes fico de saco cheio com esse pessoal de startUP, ou desses profissionais que só dizem teorias e pouco colocam a mão na massa.
    Mas, como minha vó diria, mentira tem perna curta e o folgado morre cedo.
    Abraços,
    oriquinho.wordpress.com

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  4. Aplaudindo seu texto de pé, aqui. Nunca me iludi com a Bel Pesce, pois uma ou duas buscas no Google já desmontaria a cascata que ela respresenta. O mais estarrecedor é como a velha mídia sempre levantou a bola dela, e no entanto só o pessoal na internet de maneira independente se ligou.

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